quinta-feira, fevereiro 25, 2010

A Invencibilidade do Estado Melacólico Causado Pela Falta de algo

A lgures entre 1990 e 1999 sentiu-se odor a ressaca, bloqueio angst, forças de reacção. Mas, apesar de todas as tentativas, nem os Radiohead conseguiram matar a coisa pope. Das páginas desse comatoso libretto, até 2010 foi um salto, e na duração desse salto renasceu o roque, o apreço pelas formas pope clássicas, a sistemática exploração do imaginário sonoro e imagético de todos os excessos e não excessos dos 1980 e muita, muita criatividade proliferada em dezenas de "cenas", daqui até Brooklyn. Pelo menos foi assim que organizei mentalmente a coisa.

Por estarmos mais sozinhos e porque vamos ficar cada vez mais sozinhos, porque a experiência comunitária se fragmenta e fragmentará cada vez mais, porque os ícones agregadores ou as referências morais, sociais e políticas se vão tornando cada vez mais oblíquas, cada vez mais opacas, cada vez mais passíveis de indiferença, das duas uma, ou isto vai tudo pelos ares ou o caminho que começou em 2000 agravar-se-á. O que, musicalmente falando, pode ser bom. São estas as circunstâncias que geram coisas como os Animal Collective ou o Tiago Guillul, a Micachu ou Os Capitães da Areia. Ainda há algumas peças de fundo de catálogo para explorar no filão 80 e há quem, naturalmente, prefira o conforto de um lugar que já foi habitado ao confronto com a fragilidade daquilo que virá. A nostalgia, magia, doentia prosseguirá, invicta. O futuro atropela-nos, rápido, violento, sem penas, na Internet e fora dela, as canções que povoarão os próximos dez anos serão necessariamente resistência ou cedência a todos estes mal-entendidos. Daí que se espere criatividade, cores e foguetes, excesso na oferta e na forma, exercícios revivalistas. Nos entroncamentos onde se pensa em Português, parece-me que a grande resistência e criatividade estará presente aí, nas palavras e no instinto tropicalista: pegar a coisa, virá-la ao contrário e torná-la nossa.


Pessoalmente, é essa a minha esperança e a minha luta. Aquilo que ainda agora começou tem pelo menos dez anos para continuar. E ressoar.


Mas, na verdade verdadinha, se querem que seja honesto, tudo isto não interessa para nada, o que se espera sempre, seja em que década for, são grandes bandas, grandes artistas e grandes canções capazes de nos arrebatar e transportar para longe. Se é para sermos atropelados, que seja pela música. Até lá.

Isto está disponível no Diário de Notícias de hoje.